| Passado e presente se cruzam em O Agente Secreto. São Paulo/Pernambuco. Hoje e nos anos 70, 1977. Wagner Moura vive Marcelo (ou Armando), ele é uma pessoa comum, sem envolvimento político, mas é professor universitário e isso incomoda os donos do poder, mais especificamente um empresário. O seu projeto na universidade abala a ganância dos capitalistas. O conflito ganhou contornos trágicos quando esse empresário e o seu filho desrespeitaram Fátima, esposa de Marcelo, que é assassinada por esses bandidos travestidos de gente de boa família, ligados ao regime militar. Sem a mulher, Marcelo não pode viver com o seu filho porque esse fato trágico o faz perder o cargo docente (óbvio que as verbas universitárias foram canceladas) e ele é perseguido por esse homem sem nenhum escrúpulo. Se refugia no edifício administrado por uma senhora encantadora e vai trabalhar em uma repartição pública para buscar informações de sua mãe. Nessa moradia, vemos pessoas de diversas nacionalidades perseguidas pela Ditadura. Nenhuma história é detalhada ao espectador ( e nem precisa), o importante é evidenciar o quanto uma Ditadura persegue, mata, violenta, censura, tudo em nome de "Deus, Pátria, Família" e de uma falsa liberdade, a liberdade de dizer sim senhor aos militares e outras autoridades. Marcelo só queria ser marido, pai, chefe de departamento e levar pesquisas acadêmicas em frente. Não é um agente infiltrado, o título do filme é só uma crítica ao terror que é viver sob uma Ditadura. Não é procurado político, guerrilheiro.nada disso. Era um cara comum que "ousou" não baixar a cabeça. Toda a narrativa é mostrada a partir de duas pesquisadoras, já na época atual, universitárias que estão escutando fitas de uma conversa entre Marcelo e uma moça que estava tentando levá-lo com o filho para outro país (passaporte falso porque claro que o seu nome estava na lista de pessoas " non-gratas" ao Governo). Uma das estudantes vai procurar Fernando, hoje médico e filho de Marcelo. Ela está sofrendo a mesma censura que acabou por destruir vidas ( já que o seu trabalho é trazer à tona as feridas "dos anos de chumbo". Como sabemos, perseguidos da Ditadura, desaparecidos e assassinados deixaram os familiares em desespero, ou mesmo em perigo, e suas trajetórias foram silenciadas Sempre entramos em contato com o horror da Ditadura a partir da história de guerrilheiros/ativistas em pról da Democracia. O foco em pessoas sem ações políticas não é muito comum e esse filme traz um olhar magistral para a trajetória de Marcelo. Outro detalhe que foge do usual nos filmes que retratam a repressão : Marcelo foi morto em 1977, mas o diretor não mostra a sua execução. O assassinato é mostrado através de uma notícia de jornal. Tudo no filme de Kleber é duro, forte. 0 diretor traz cenas chocantes de corpos esfacelados, pernas amputadas por Tubarões (ou melhor militantes jogados aos Tubarões e que os jornais noticiam como fatos macabros para ofuscar o real motivo desses corpos jogados ao mar) para mostrar o quanto os representantes da Direita, do Governo Ditatorial, não têm amor, respeito, nem compaixão. O Agente Secreto traz cenas que evidenciam o quanto essa gente mesquinha é má, interesseira, homofóbica, violenta, misógina, xenofóbica/em especial a inferiorização dos nordestinos, e por aí vai. E fica a pergunta, será mesmo que a trama é ambientada nos anos 70, ou ela ocorre hoje? Lula é o nosso presidente e luta por um Brasil melhor, mais existe uma "familícia e sua corja" que nos levam para os horrores da Ditadura! Wagner Moura está brilhante, traz com perfeição as nuances da personagem e vive também com maestria o jovem Fernando. A trilha sonora é preciosa. As imagens de Recife são marcantes e o diretor explora com louvor a sua cidade natal - na sua beleza e mazelas. Aplausos especiais para a primeira cena e o momento em que os refugiados/perseguidos políticos estão juntos na sala da senhora Sebastiana, que acolhe a todos com presteza. Por falar em Sebastiana, a atriz que a interpreta nunca tinha atuado na vida. A potiguar Tânia Maria, hoje ela tem 78 anos, é apaixonante, um trunfo do elenco. Outro detalhe é a valorização de artistas de grande talento como Tomás Aquino, que vive Arlindo, recifense, e Carlos Alexandre, avô de Fernando e projecionista num cinema que já apareceu em filme anterior do diretor; ambos artistas brilharam também em Bacurau. Luciano Chirolli, o empresário que coloca a vida de Marcelo em perigo, e Hermila Guedes, que vive Claudia, também têm participações incríveis. É um filme que revê o passado para provocar reflexões sobre 2025/2026. Foi emblemático assistir a essa obra-prima um dia após Hugo Motta ter colocado a dosimetria em votação, numa semana em que casos de feminicídios nos horrorizaram. |