Se você acredita que os movimentos por moradias que ocupam os prédios abandonados é realizado por pessoas desocupadas e oportunistas, assista Era o Hotel Cambrige. Uma oportunidade para ver que essas pessoas não têm condições para residirem em um local próprio ou alugado; a ocupação é a única alternativa para que elas não sejam obrigadas a viver nas ruas.
A diretora Eliane Caffé relata o complicado cotidiano de quem ocupa prédios na cidade de São Paulo, com foco na complexa relação com a polícia quando chega a ordem de despejo e na relação entre os moradores do local (refugiados recém-chegados ao Brasil e de trabalhadores brasileiros sem-teto).
Vale dizer que o Cambrige foi um tradicional hotel de São Paulo, fechado em 2011.
Segundo texto de divulgação, o filme traz momentos de humor e mostra diferentes visões de mundo. São pessoas que buscam uma vida melhor e muitas vezes são mal compreendidas pela população e pela mídia.
Criação coletiva entre o MSTC (Movimento Sem Teto do Centro), o GRIST (Grupo Refugiados e Imigrantes Sem Teto) e a Escola da Cidade, foi o melhor filme, segundo o público, da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
Destaque para a presença de José Dumond, que há 14 anos trabalhou com Eliane em Narradores de Javé.
A diretora Eliane Caffé destaca que a sua ideia inicial foi trabalhar com a questão dos refugiados(um fenômeno que está crescendo no mundo), mas no decorrer das pesquisas para a elaboração do roteiro, que hoje é assinado em parceria com Luís Alberto de Abreu e Inês Figueiró , ela percebeu que grande parte de quem estava em busca de um teto eram pessoas vindas de outros países, de outras localidades.
A cineasta afirma também que, após entrar em contato com o dia a dia de uma ocupação, começou a ser militante do movimento.
Construiuuma história épica onde as ações são externalizadas e mostra que toda a movimentação social referente à busca pela moradia passa pela participação de todos.
Também disse que a construção do filme foi feita através da participação, já que, para as filmagens, a equipe de criação esteve mergulhada no dia-a-dia da ocupação, interagindo com as pessoas. ¨Trabalhamos dentro da zona de conflito com temas do cotidiano da ocupação, com vários movimentos se relacionando¨, ressalta Eliane.
No filme, o espectador acompanha o cotidiano dos moradores de um prédio ocupado e tem a oportunidade de conhecer um pouco como é a administração para que a convivência seja a melhor possível.
No caso do Hotel Cambrige, o temor do despejo deixa os ânimos à flor da pele, mas a ideia é não deixar a força de lado e lutar para que a permanência no prédio seja garantida.
Era o Hotel Cambrige mistura ficção e realidade para mostrar que os moradores de uma ocupação têm atividades no seu dia-a-dia e ao contrário do que muitas pessoas pensam, ou a mídia divulga, não são desocupados em busca de um lugar para morar sem custos. São indivíduos marginalizados pela sociedade que só querem um teto para viver em paz!
O elenco é formado basicamente por moradores do edifício, que passaram por oficinas de interpretação. O rendimento de todos é surpreendente, com destaque para Carmen Silva , que tem uma força cativante e é a líder (na vida real) da Frente de Luta por Moradia.(FLM).
Carmen tem uma força que impressiona e o dom para administrar conflitos. Segundo a líder da FLM, a sua força veio há 23 anos quando teve dificuldades financeiras e pessoais e as pessoas lhe viraram as costas, inclusive membros da sua família.
Deixou a cidade natal, Salvador, a sua moradia, para vir para São Paulo e viu que o choque cultural entre as pessoas que chegam de diversas regiões é enorme. ¨
Carmen veio com sonhos, mas percebeu que aqui as oportunidades eram escassas. ¨Me deparei com uma cidade de pedra, fria, não somente o concreto dos prédios, mas o concreto das relações¨. ¨Somos refugiados de políticas públicas, afirma¨.¨No momento em que me vi na rua, sozinha, nasceu em mim a força da sobrevivência, complementa¨.
Ressalta que todos têm direito à moradia e que também é uma refugiada porque teve que deixar a sua cidade em busca de melhores condições de vida. ¨Todos somos refugiados. Sou uma refugiada da minha terra¨, diz..
Carmen entrou para o movimento de moradia e deixou o individualismo de lado para trabalhar em prol da melhoria de sua vida e da vida de suas pessoas, na medida em que o dever do movimento, nas suas palavras, é a ressocialização. Diz que o que a move é a possibilidade de ajudar o próximo. Um exemplo de vida que é mostrado com maestria nesse filme.
Os personagens de ficção ficam por conta de José Dumond e Suely Franco, que com todo o talento que possuem, contribuem para que as cenas ganhem vigor e para que o cotidiano complexo no Cambrige tenha um caráter poético, já que o personagem de Dumond é o responsável pelos eventos culturais dos moradores.
Os dramas pessoais são explorados na medida certa e os refugiados ganham um papel central na trama, visto que acompanhamos o contato dessas pessoas com os seus familiares em outros países, via Skype. A angústia de estar longe da família e, ao mesmo tempo, o sossego de estar num país sem guerra, onde as oportunidades são muito pequenas, mas onde ainda existe a esperança de um futuro melhor.
Com algumas cenas sutis, mas de suma importância para a trama, a diretora evidencia a dura realidade. Logo de início, a câmera passa pelos problemas de estrutura do prédio, como vazamentos, fios que estão a ponto de ocasionar um curto circuito, falta de luz e outros problemas graves de manutenção.
Logo em seguida, acompanhamos duas semanas na vida dessas pessoas, seus sonhos, desejos, esperança e desilusões. Elas querem respeito e encontram o preconceito.
Um momento que demostra perfeitamente essa situação de desprezo: a comunidade se organiza para a criação de um documentário sobre o cotidiano da ocupação e cria um blog. É da Internet que chegam comentários cheios de ódio e fascistas, de pessoas que desconhecem os motivos que levam as pessoas a ocuparem esses espaços abandonados.
Vale dizer que o filme tem um alto teor de consciência social, mas em nenhum momento beira o panfletarismo. Traz uma discussão essencial para os dias de hoje, mostrando fatos e personagens reais.
Data de lançamento 16 de março de 2017 (1h 39min)
Direção: Eliane Caffé
Diretora de arte: Carla Caffé
Direção de fotografia e câmera: Bruno Risas
Direção de montagem: Márcio Hashimoto
Elenco: Zé Dumont, Suely Franco, Carmen Silva, Isam Ahamad Issa e Guylain Mukendi
Participação Especial: Lucia Pulido e Ibtessam Umran
Gênero: Drama
Produção: Aurora Filmes
Coprodução: Tu Vas Voir (França), Nephilim Producciones (Espanha) e Apoio (Brasil)
Distribuição: Vitrine Filmes
Era O Hotel Cambridge - Trailer Oficial
https://www.youtube.com/watch?v=a5EQUG-RMI8
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