Bom dia, eternidade
O Bonde
Trabalho encerra a Trilogia da Morte, que reflete sobre o envelhecimento dos corpos negros e as heranças do período escravocrata. A dramaturgia é de Jhonny Salaberg e a direção é de Luiz Fernando Marques Lubi
Após 60 anos de um despejo injusto, sem explicação, nem aviso, irmãos se (re)encontram para receber indenização da justiça.
Destruiram não somente uma moradia, mas despedaçaram planos e sonhos. Era início de 1964, o governo Ditatorial promovendo "avanços" ... à custa de ações absurdas, de desrespeito.
A casa foi destruída, mas memórias preciosas permaneceram.
Com poesia e delicadeza, o reencontro é o momento de relembrar momentos marcantes de uma família simples, preta, periférica e com muitas histórias para contar. Um cobrador de ônibus, uma faxineira, um porteiro e um cenógrafo e figurinista de escola de samba. Quatro irmãos que lutam pela felicidade.
Num país com preconceitos contra preto, pobre e gay viver já é uma vitória. Corpos pretos precisam ter voz. Corpos pretos têm história.
O reencontro ocorre nos escombros da antiga casa familiar, onde estão alguns objetos afetivos e em destaque um quadro pintado da matriarca. A ideia é realizar a leitura de uma carta enviada pelo Poder público e acertar pontos para poderem ocupar o terreno.
Para celebrar o momento: o café, que era feito com as sementes do quiabo, tradição desde a época da escravidão e que foi marcante na vida dos personagens quando jovens.
No palco, a ficção impera, e, de alguma maneira as historias retratam a vida de muitas pessoas, por esse motivo, os artistas expõem as suas vidas com louvor.
Passado e presente se misturam no quintal da casa que sempre permaneceu no coração de todos.
O samba é a trilha que embala as doces lembranças.
Os irmãos são vividos por 4 atores e quatro músicos que representam a alma dos personagens na velhice.
embaralha em meio às lembranças.
As lembranças são descortinadas num cenáro com uma cortina enorme bordada, igual a que existe em muitas residências antigas.
As lembranças são tecidas de modo fragmentado, o público é quem remenda os pedaços de momentos familiares eternizados nos corações dos personagens e que evocam a ancestralidade preta..
No início, para que o público não fique todo perdido, é explicado como foi o processo de criação e salientado que a peça é um grito contra o não envelhecimento digno da população negra no Brasil.
E a peça começa como uma utopia: artistas pretos felizes interpretando samba. E continua feliz porque guardar na mente lindas recordações é um presente ainda mais quando são apresentados por baluartes da nossa músicas.
Lubi é um diretor experiente e nesse trabalho o que vale é a simplicidade. Ele deu o suporte necessário para os artistas não ficarem perdidos em cena, mas o que é preponderante não é o valor cênico do espetáculo e sim o valor humano.
É singelo, simples na estrutura, mas ao valorizar veteranos e dar visibilidade a corpos negros, Bom dia, eternidade merece muitos aplausos.
Um presente ver em cena baluartes da música. Os atores dão suporte à dramaturgia com a interpretação.
Os músicos, além dos instrumentos e do canto, estão no palco para provocar encantamento e provar que o etarismo precisa ser combatido.
É muito emocionante ver um artista experiente brilhando e como eles ficam felizes em poder mostrar talento e vitalidade no palco.
A maestria dos veteranos
Fernando Alabê é o diretor musical
Cacau Batera é um grande instrumentista e intérprete. Trabalhou com Jerry Adriani, Tim Maia, Johnny Alf e Jamelão.
Luiz Alfredo Xavier é multiinstrumentista, parceiro de Zé Ketti e Jamelão. Maria Inês foi impedida pela família de exercer seu sonho de cantar. Cabeleireira por cinquenta anos, ao se aposentar, ingressou no Coral da USP. Roberto Mendes Barbosa é maestro, regente de coral, cantor e compositor. Formado pelo M1ozarteum, se dedica a corais e liras pela cidade de São Paulo, bem como atua como músico de cena para teatro.
Atores criadores: Ailton Barros, Filipe Celestino, Jhonny Salaberg e Marina Esteves
Músicos em cena: Cacau Batera (bateria e voz), Luiz Alfredo Xavier (violão, contrabaixo e voz), Maria Inês (voz) e Roberto Mendes Barbosa (piano e voz)
Dramaturgia: Jhonny Salaberg
Direção: Luiz Fernando Marques Lubi
Diretora assistente: Gabi Costa
Direção musical: Fernando Alabê |