A história da bem-sucedida advogada Tessa infelizmente é mais comum do que imaginamos.
1 a cada 3 mulheres é vítima de violência sexual !
Prima Facie é um grito pelo respeito à mulher: NÃO É NÃO!
Uma advogada defende abusadores. Algo inaceitável, mas que proporcionou uma carreira de sucesso para uma mulher pobre que nunca teve nada com facilidade. Ela é ambiciosa, capitalista e o pensamento machista a domina, seja por formação ou convivência ou convicção. Acredita nas leis e sempre consegue, através delas, provar a, mesmo que suposta, inocência dos seus clientes.
A sua vida, no entanto, sofre uma reviravolta e ela sofre na pele as agruras de um abuso ...
O texto é da dramaturga australiana Suzie Miller.
Estreou em 2019 no Stables Theatre, em Sydney, Austrália. É uma obra recente, atual e necessária porque coloca em questão a justiça e a violência contra a mulher.
Débora Falabella acabou de receber o Prêmio Shell de Melhor Atriz. Prima Facie faz uma temporada de sucesso em São Paulo, no Teatro Vivo, passou pelo Rio, Brasília, e chega ao Festival de Curitiba muito elogiada. Débora diz que esse é um dos espetáculos mais difíceis que já fez e todos que viram são unânimes em elogiá-la pela força e arrebatamento de sua intervenção.
Com certeza é um trabalho especial. Impossível não sair impactada do teatro. É visceral. Débora vai dando, a cada cena, um vigor impressionante à sua personagem.
No início, com humor, ela fala de sua vida, a relação com a familia, com os amigos, namorados, conta sobre o cotidiano no escritório de advocacia. Tudo com dinamismo e crença que o seu trabalho é digno. Ora, ela acredita que assim como um motorista de taxi não escolhe passageiros, nem corridas, um advogado não escolhe os clientes e o seu papel é inocentá-lo, mesmo que ele seja culpado.
A partir do momento em que ela sofre o estrupro, existe uma ruptura, como se a peça tivesse dois atos. O grau de tensão é elevado e vai aumentando a cada momento, chegando à beira do sufocamento. Apesar do tema pesado e do teor trágico, é um espetáculo que toca a nossa alma e nos provoca a pensar no quanto a justiça nos protege, ou não, de ações truculentas, nojentas e desprezíveis, e se as punições quando ocorrem penalizam os agressores de forma correta.
De uma profissional segura, que acredita que todos têm o direito à defesa, após ser a vítima da violência, (cometida por um colega de trabalho) todas as suas convenvicções são postas em xeque.
Houve um relacionamento sexual consentido, mas após uma noite de amor e bebidas, a moça começa a passar mal, diz que não quer trancar, mas ele continua.
A dor é enorme, o desespero faz com que ela perca o chão. Decide denunciar o molestador, mas sabe que dificilmente a justiça prevalecerá. Yara de Novaes dirige com precisão. Dá à Débora toda a segurança para que as nuances da personagem sejam apresentadas com louvor. O trabalho de corpo da atriz é primoroso.
Débora está só no palco, com poucos elementos cênicos, mas a sua presença é tão forte que o palco se transforma num furacão de emoções. Complicado escrever as emoções que Prima Facie provoca. É preciso assistir ao espetáculo para compreender o quanto ele é estonteante!
A personagem conta detalhadamente como foi o estupro, a sensação de horror, a decisão da denuncia, a busca por justiça...a demora do julgamento, as dúvidas, a perda da autoestima... um mundo em que a vítima vira culpada num piscar de olhos.
O ritmo é vertiginoso. Luz, trilha, cenário, todos os elementos cênicos ajudam a contar a história.
Uma peça necessária. Para entender que a lei que deveria protejer a mulher é machista e que nunca, ninguém, conseguirá entender o quanto o estupro é horripilante, ela precisou sentir na pele o que as vitimas dos criminosos que ela defendia sentiam... a dor tão grande fazia com que elas dessem depoimentos contraditórios e nessas falas é que a advogada encontrava as brechas legais para absolver os seus réus! Agora, sentindo na pele a dor de uma mulher que sofreu violência, perdeu amigos, encontrou apoio materno, mas poucas pessoas a defenderam, acreditava na sua palavra. O agressor chegou a dizer que tudo fora inventado para que ao prejudicá-lo profissionalmente, a advogada pudesse alcançar um patamar mais alto ainda na sua carreira ...
Um texto atual. A vítima virá ré! Ora, sempre é a mulher que provocou, seja por usar uma roupa mais decotada, seja por ter aceitado as primeiras carícias... não, nada justifica um estupro. NÃO É NÃO. E Esse espetáculo tece uma narrativa longa, detalhada e desesperadora do que é ser mulher num mundo machista e misógino! .
Ficha Técnica
Texto: Suzie Miler
Direção: Yara de Novaes
Encenação: Débora Falabella
Tradução: Alexandre Tenório
Cenário: André Cortez
Figurino: Fabio Namatame
Iluminação: Wagner Antonio
Produção Executiva: Catarina Milani
Direção de Produção: Edson Fieschi e Luciano Borges
Realização: Borges & Fieschi Produções e Antes do Nome A temporada é realizada atráves da Lei Rouanet do Ministério da Cultura e conta com o patrocínio da PRIO.
Mais uma sessão: 26 de março às 20h30 |