Fui conferir a peça "A Hora do Lobo" que está sendo exibida até o dia ... no Sesc.
Ouvi muitos elogios sobre o espetáculo e, como crÃtica, quis muito participar do evento. Entretanto, infelizmente não consegui assistir a peça.
A acessibilidade para o deficiente visual, ainda é algo praticamente inexistente, mesmo em instituições grandes e culturais como o Sesc. Inclusive para mim, que como muitos, consigo enxergar com um dos olhos, mas ainda com a visão bem limitada.
Não preciso de bengala ou mesmo de Braille. Preciso, sim, de textos ampliados. No caso de espetáculos, legendas em um tamanho satisfatório e, claro, sentar o mais perto possÃvel do palco.
Sentei, como de costume, na fileira C. Ali, em espetáculos nacionais, consigo ver a encenação tranquilamente, ainda mais em um teatro excelente como o Anchieta. No dia, animada, esperava que pudesse desfrutar da cultura, não fosse a peça ser apresentada em francês, com falas em português, mas com legendas. Alguns podem até pensar que as legendas são grandes, mas isso seria na opinião de quem tem boa visão. Pra mim, com acuidade visual limitada, são sim muito pequenas.
Estamos progredindo e já existe lei para acessibilidade de obesos, cadeirantes, algumas sessões especiais para cegos, surdos (poucas, vale dizer), etc, mas para pessoas com baixa visão, ainda é algo desconhecido para a maioria das pessoas.
Os funcionários do Sesc, que sempre são educados e maravilhosos, sempre me atenderam muito bem. Sempre agradeço muito a boa vontade de todos em bem atender e agora o faço publicamente.
Porém, quem tem baixa visão, como eu, sofre. Essa é uma deficiência invisÃvel, isto é, quem olha para mim não a identifica em um primeiro momento.
Por isso, preciso sentar o mais possÃvel perto do palco - não porque eu gosto, como já ouvi comentários sobre as minhas solicitações em alguns teatros - mas porque preciso. Se eu não sentar na frente, eu não enxergo a fisionomia dos atores e suas expressões. Dependendo da peça, nem os gestos mais amplos consigo enxergar, e consequentemente, não acompanho a peça por completo. Imaginem legendas em tamanho "normal".
A LEITURA de textos com letras, pra mim, minúsculas, me demandam um esforço absurdo e ineficaz.
Sendo eu crÃtica, é claro que fui ao teatro sabendo que tinha cenas em francês e me animei porque havia legendas. Pensei: "Acessibilidade!".Â
O teatro, seja em qual idioma for, é universal, sem dúvida. Creio que é uma escolha nossa ir ou não prestigiar uma peça em outro idioma, quando não somos nele fluentes, mas se a proposta é torná-lo acessÃvel ao público pela tradução por legendas, que o seja para todos. A organização deveria ser levar em conta que dependendo do tamanho dos caracteres usados, e mesmo da cor, a leitura fica complicada para quem tem baixa visão.Â
Se a justificativa para a não ampliação for que "colocar um telão com letras maiores prejudicaria a encenação dos atores", então a direção poderia contratar assessoria de empresas que trabalham com a harmonização entre a encenação e legendas em tamanho acessÃvel.
Enfim, não foi só dessa vez que passei por esse problema. Já fui a espetáculos com legendas de um tamanho bem menor do que a disponibilizada pela peça "A Hora do Lobo". Esse relato não é um ataque a esse espetáculo nem ao Sesc. É, sim, um pedido de empatia e raciocÃnio gerencial.
Deveria ter relatado sobre as minhas experiências aos responsáveis, mas deixei, erroneamente, de mencioná-las, por medo e vergonha, um pouco sim, da minha deficiência.
Claro que poderia ter ficado na peça e tentado entender a encenação. Saà da sala porque meu esforço demasiado e inglório, com a legenda passando e passando, muito rápida, eu sem conseguir ler o que estava escrito, me deixou atordoada e nauseada.
Sei que ainda é complicado essa questão de acessibilidade, mas o fato é que se oferecem a legenda (por opção da produção), ela precisa ser inclusiva para todos, ser vista confortavelmente por todos!
Já venho tentando abordar esse tema aqui, de acessibilidade e de deficiência invisÃvel no teatro. Eis o momento oportuno.
Sobre mim:
Nasci de seis meses e meio com atrofia do nervo ótico no olho esquerdo. Isso fez com que esse olho não funcionasse, nem um pouquinho. Por isso, tenho visão monocular. Não consigo enxergar profundidade.
De acordo com a Classificação Internacional de Doenças, essa CID tem a o código H54.4. O texto determina que o paciente deve enxergar #pelo menos razoavelmente em um dos olhos. O outro olho pode apresentar visão subnormal ou cegueira total".
Assim, após anos, eu finalmente posso não pagar transporte público em SP e tenho direito a cotas nos concursos públicos e algumas empresas.
Penso eu, se fosse só isso, ainda vai lá.
Tenho também nistagmo no olho direito, isto é, movimentos involuntários e repetitivos dos olhos, resultando, muitas vezes, em redução da acuidade visual. Tenho 11 graus de miopia nesse olho.
Hoje em dia uso óculos para leitura, com grau 3, porque operei catarata nos dois olhos. Poderia também usar grau para longe, mas, segundo o oftalmologista, não adiantaria praticamente nada.
Pensei muito se deveria escrever esse texto. Tive receio de o interpretarem como afronta, declaração sem fundamento. Decidi colocar esses fatos porque vale a reflexão sobre acessibilidade e como atender melhor a todos, afinal cada um tem habilidades e limitações.
O deficiente pode e deve fazer todas as atividades diárias, a única diferença é que ele precisa de adaptações para realizá-las com sucesso, sem pena ou ajuda direta de terceiros.
Quantas vezes fui ao teatro só com escadas e fiquei pensando no quanto seria complicado um cadeirante ou alguém com dificuldade de locomoção estar ali. Ou mesmo, penso em como é complicado para um cego ou surdo ir ao teatro, visto que com raras exceções, quando um espetáculo conta com audiodescrição e/ou com intérpretes de Libras. Na minha vivência diária de teatro, posso afirmar que essa acessibilidade acontece somente em poucas sessões, em poucos teatros, em poucos paÃses.
Sabemos que os custos de acessibilidade não são baixos. É preciso, portanto, maior engajamento social para que a acessibilidade conste nos planos governamentais e nos projetos teatrais, sejam eles realizados através de editais ou leis de incentivo.Â
Aproveito e parabenizo as instituições culturais e os produtores que se preocupam com a inclusão e com a acessibilidade.
Fica aqui a questão: além dos custos, muitos centros culturais e muitas salas de espetáculos ainda não são acessÃveis.
Se nada adianta a produção colocar audiodescrição, intérpretes de Libras, lugares especiais para deficientes visuais, para cadeirantes, obesos, se chegar até o local das apresentações é quase impossÃvel. Imagine como é frustante se depois de uma superação imensa, desviando de todos os obstáculos da cidade, você chegar até um teatro e encontrar pela frente somente escadas, ainda não sinalizadas.
Felizmente essa barreira está cada vez menor.
Links interessantes para debate:
https://jornal.usp.br/radio-usp/acessibilidade-na-cultura-precisa-abarcar-todos-os-publicos/
https://youtu.be/EGjXjuvFYIc?si=qeTY7lDBiKZIuBk-
https://youtu.be/2cb_WpB_9Q0?si=sq5aJCZpJla8tdYT
https://ativaz.com.br/acessibilidade-e-diversidade-em-projetos/
https://repositorio.ufba.br/bitstream/ri/30012/1/TCC%20FERNANDES%2c%20V.S.%20de%20S.%202019.1%20Acessibilidade%20no%20Teatro.pdf
https://www.gov.br/pt-br/noticias/cultura-artes-historia-e-esportes/2023/04/cultura-divulga-criterios-para-projetos-candidatos-a-recursos-da-lei-rouanet#:~:text=ACESSIBILIDADE%20%2D%20Todos%20os%20projetos%20devem,e%20visuais%2C%20quando%20tecnicamente%20poss%C3%ADveis.
https://www.google.com/amp/s/www.jusbrasil.com.br/noticias/cultura-aprova-acessibilidade-para-obras-beneficiadas-pela-lei-rouanet/706843194/amp
https://www.conjur.com.br/2022-mai-25/marcus-aguiar-acessibilidade-cultural-pessoas-deficiencia
https://www.gov.br/cultura/pt-br/centrais-de-conteudo/marcas-e-logotipos/manual-da-lei-rouanet/view
 https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2023/08/festivais-de-cinema-pedem-ao-minc-mais-flexibilidade-em-norma-da-rouanet.shtml#success=true
Cabe a todos os cidadãos, em especial, deficientes, claro, artistas e produtores cobrarem de quem administra as salas que sejam tomadas medidas para a acessibilidade e, como já foi dito. Exigir que ações de acessibilidade e inclusão não sejam apenas conteúdos de textos nas leis, para os polÃticos conseguirem votos e visibilidade, mas sejam ações concretas para que todos possam ir e vir com segurança.
Espero ter experiências melhores daqui pra frente. |