Espetáculos com temáticas históricas são sempre bem-vindos para repensarmos fatos marcantes e para o aprimoramento do nosso conhecimento.
RACISMO É CRIME E ESSE ESPETÃCULO É OPORTUNO E NECESSÃRIO. UM GRITO CONTRA O PRECONCEITO!
Após passagem pelos espaços do CCBB de outras cidades, Babilônia Tropical – A Nostalgia do Açúcar†estreou no CCBB SP.
No elenco estão Carol Duarte, Ermi Panzo, Jamile Cazumbá e Leonardo Ventura e como músico em cena, Adriano Salhab.
A direção é de Marcos Damigo.
A peça está ambientada na cidade de Recife do século XVII, época da ocupaçãos dos holandeses, que invadiram o nordeste brasileiro em busca das riquezas do açúcar.
Através desse fato, Damigo, que também assina a dramaturgia ao lado de Ermi Panzo, aborda as contradições de uma época de transformações, mas que ainda tinha como guia das ações humanas os pensamentos arcaicos.
O passado é revisto para pensarmos sobre os nossos tempos.
Qual o preço que pagamos em nome do desenvolvimento e do enriquecimento?
Corpos negros foram massacrados em nome de uma evolução desprezÃvel.
Até 1889 a exploração escravocrata gerou os tempos áureios do açúcar
Com a abolição, construÃmos Babilônias, grandes cidades, com elas vieram as grandes conquistas tecnológicas e o desenvolvimento das indústrias, mas tudo isso sempre com a exploração dos trabalhadores assalariados, em sua maioria negros.
Isso é progredir?!
Observações sobre a peça Babilônia Tropical - A Nostalgia do Açúcar:
Na trama, Anna Paes envia uma carta ao aristocrata neerlandês MaurÃcio de Nassau.
A moça, que era dona de engenho, o presenteou com seis caixas de açúcar quando ele chegou ao Brasil.
É um fato verÃdico, que foi registrado no Arquivo Nacional dos PaÃses Baixos.
Anna sabia ler e escrever, estava à frente de seu tempo, mas vivia numa sociedade que dizimava os povos originários e tratava os negros como objetos.
Passado e presente se misturam porque o público acompanha o ensaio de um grupo teatral que coloca em debate os fatos relacionados a essa aristocrata pernambucana.
A trupe de teatro investiga a trajetória de Anna Paes e os conflitos acontecem porque o olhar branco predomina, num grupo em que atores negros exigem que a história oficial seja revista.
O ensaio, que poderia ser mais um encontro sem grandes lembranças na vida dos atores, se transforma num acalorado debate de questões de classe, gênero e raça.
Mais de 400 anos se passaram entre a invasão dos holandeses e os tempos de hoje, mas o racismo perdura de um modo aviltante, ainda mais em um momento em que um governante de ideias fascistas acabou de deixar o poder, mas um momento em que infelizmente, a Direita retrógrada ainda tem conseguido adeptos mundo afora.
Carol Duarte é a atriz que busca desvendar quem foi Anna e Leonardo Ventura é o diretor aparentemente questionador.
O elenco tem nos atores Ermi Panzo, artista angolano radicado há quase dez anos no Brasil, que também assina a dramaturgia da obra, e em Jamile Cazumbá, artista baiana que transita pelo audiovisual e a performance, as essenciais e pertinentes vozes negras.
Vivemos, sim, num paÃs tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza, mas óbvio que a história oficial é branca, os heróis dos livros são brancos, e a nossa literatura é prioritariamente branca.
Aqui e acolá pipocam gritos negros e dos povos originários, mas raramente eles são ouvidos.
Os personagens de Panzo e Jamile dão um banho de água fria no diretor, que mergulha nos livros, pensa ter uma visão moderna sobre a vida, mas não dá voz aos excluÃdos.
Também questionam a visão supostamente alienada da atriz que tenta elucidar quem é Anna. Não é à toa, que ela é "over", neurótica, viciada em açúcar. Assim como o diretor, acredita ser "moderninha" , mas também tem uma visão colonialista e, portanto, deturpada, alienada, da nossa história.
A história oficial é virada do avesso, como deve ser!
O lugar de fala, que até um certo momento é dos atores brancos, torna-se secundário. O protagonismo no palco dos negros é preponderante, com provocações pertinentes e atuais sobre atitudes racistas, as quais, muitas vezes, ou na maioria das vezes, melhor dizendo, não são detectadas porque estamos tão acostumados a um protagonismo branco, que perceber atos racistas é muito complexo.
A peça Babilônia Tropical é arte-manifesto, que toca nas feridas da história oficial racista, misógina e que precisa ser questionada sempre.
Diariamente ouvimos pessoas afirmando que o brasileiro é acolhedor, que no Brasil o racismo é praticamente inexistente! Falácia!
Como não somos racistas se permitimos que os negros sejam excluÃdos dos estudos, dos altos cargos, enfim, raramente eles são protagonistas. Para muitas pessoas as cotas são absurdas! E na área cultural, por exemplo, os livros que guiam a nossa educação e aprimoramento cultural são escritos prioritariamente por brancos.
Babilônia Tropical é um espetáculo pulsante, questionador. Tem diálogos inteligentes, permeados de canções que são uma "apunhalada na cara" de quem ainda não percebeu o quanto o racismo é algo inaceitável.
Esse espetáculo é necessário porque estamos numa época em que ainda presenciamos trabalhos análogos à escravidão, mesmo com tanta informação e tecnologia que poderiam contribuir para a evolução humana!
Os atores são excelentes e são orientados por um diretor que explora muito bem o tom provocativo dos diálogos e da música (executada ao vivo).
Para acentuar o tom provocativo da encenação, vÃdeos expõem o açúcar e o sangue jorrado pela carne negra em prol do desenvolvimento do Brasil e do enriquecimento dos senhores de engenho.
Somos um paÃs abençoado, mas quem ajudou a construir as nossas riquezas necessita de respeito e de um merecido lugar para desfrutar as benesses que, salvo exceções, só uma elite alienada tem a oportunidade de conquistar.
Damigo foi quem idealizou e dirigiu "Leopoldina, Independência e Morte".
É um artista talentoso e que mais uma vez assina um espetáculo que cria um diálogo inteligente entre passado e presente. Um artista que sempre tem como meta projetos que mexam com as estruturas de uma sociedade que se apresenta como se estivesse em contÃnuo desenvolvimento, mas que na prática carrega consigo o peso de um modo de agir e pensar cheio de preconceitos e equÃvocos.
Para saber mais
@ccbbsp
â€FICHA TÉCNICA
Marcos Damigo - idealização, concepção e direção geral
Gabriel Bortolini - concepção e direção de produção
Ermi Panzo e Marcos Damigo - dramaturgia
Carol Duarte, Jamile Cazumbá, Ermi Panzo e Leonardo Ventura - elenco
Lúcia Bronstein e Sol Miranda - interlocução artÃstica
Adriano Salhab - direção musical, composição e música ao vivo
Simone Mina - direção de arte
Wagner Pinto - iluminação
Glaucia Verena - preparação vocal e consultoria artÃstica e dramatúrgica
Pat Bergantin - preparação corporal
Daniel Breda - consultoria histórica
Rafa Saraiva e Mila Cavalcanti - programação visual
Coletivo Corpo Sobre Tela/Ricardo Aleixo e Julia Zakia - direção de fotografia Coletivo Corpo Sobre Tela - montagem e finalização de cor
Rafael Tenório - vÃdeo engenho em chamas
Luiz Schiavinato Valente - coordenação de redes sociais
Mayara Santana e Rafael Tenório - design para redes sociais
Jackeline Stefanski Bernardes e Và Silva - assistência de direção
Luiz Schiavinato Valente e Và Silva - assistência de produção
Rick Nagash - assistência de direção de arte
Vinicius Cardoso - assistência de cenografia
Amanda Pilla B e Hellige Sant’Anna - assistência de figurino e adereços
Carina Tavares - assistência de iluminação
Wanderley Wagner e Fernando Zimolo - cenotécnica cenário
Mauro José da Silva e Matheus Kaue Justino da Silva - cenotécnica filmagem Vivona - cabeleireira elenco
Julia Zakia - making off
Luiza Zakia Leblanc - câmera adicional making off â€
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SERVIÇO
Babilônia Tropical - A Nostalgia do Açúcar
Temporada: de 06 de outubro a 19 de novembro de 2023, sempre de quinta a domingo
Horário: quinta e sexta às 19 horas, sábado, domingo e feriados (12/10 e 02/11) às 17h
Local: Centro Cultural Banco do Brasil São Paulo – CCBB SP
Endereço: Rua Ãlvares Penteado, 112 – Centro Histórico – SP
Próximo à estação São Bento do Metrô
Entrada acessÃvel: Pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida e outras pessoas que necessitem da rampa de acesso podem utilizar a porta lateral localizada à esquerda da entrada principal.
Duração: 80 minutos
Recomendação: 14 anos
Ingressos: R$30 (inteira) / R$15,00 (meia-entrada)
Vendas: bilheteria do CCBB SP ou pelo site bb.com.br/cultura |