A cadeia produtiva do espetáculo teatral contada e cantada por quem o faz
Seminário Virtual -
Coordenadores: Prof.ª Drª. Deolinda Vilhena / Prof. Dr. Gil Vicente Tavares / Prof. Dr. Sérgio Sobreira
ENCONTRO COM JOSÉ CARLOS SERRONI
A aula/ Entrevista foi conduzida por Débora Albuquerque e Gil Vicente Tavares
Débora Albuquerque é produtora, contadora de histórias e aderecista. É bacharela em artes e licencianda em teatro, ambas pela Universidade Federal da Bahia. Atualmente é integrante do Projeto Dom Quixote: biblioteca andante@
Prof. Gil Vicente Tavares é diretor, dramaturgo, compositor e professor da Escola de Teatro da UFBA. Doutor em artes cênicas, teve sua tese publicada pela EDUFBA com o título a Herança do Absurdo. Em 2006, criou o premiado grupo Teatro NU.
O encontro com José Carlos Serroni foi mais uma oportunidade ímpar para o aprimoramento do conhecimento através de uma conversa prazerosa.
O cenógrafo, que também tem trabalhos como figurinista, falou sobre a sua trajetória e como se interessou pela cenografia, a faculdade de Arquitetura, já quando trabalhava na área de cenografia, o encontro com grandes diretores como Antônio Abujamra, Antunes Filho e Gabriel Villela, dicas preciosas sobre cenografia e a sua visão sobre o teatro e a arte.
Contou detalhes sobre o seu trabalho na formação de novos profissionais, realizados especialmente no CPT de Antunes Filho, no seu espaço cenográfico e na SP Escola de Teatro, da qual foi um dos criadores.
No início do bate-papo, Serroni fez questão de dizer que tem uma relação estreita e carinhosa com a Bahia. Primeiro, porque a sua esposa é baiana, e como curiosidade, a tia dela foi da primeira turma de Artes Cênicas da UFBA.
Além disso, em 2000 fez o projeto de restauração e reforma da Concha Acústica e a cenotecnia e iluminação de todo o complexo do Teatro Castro Alves, com a colaboração de uma equipe da UFBA.
A cenografia brasileira é bem vista no exterior, mas ainda tem um longo caminho a percorrer, na visão de JC Serroni. Um caminho que felizmente, no decorrer dos anos, tem colhido frutos positivos pelo talento de Serroni, dos artistas brasileiros, e também pela disponibilidade que esse cenógrafo incrível possui para formar novos profissionais na área.
E vale dizer: buscando uma profissionalização pautada pelo respeito, pelo recebimento de salários pelas atividades e pela visão essencial de que o sucesso só acontece a partir de um trabalho integrado, onde cada função tem papel fundamental.
Como em todos os encontros, ocorreu também uma primeira abordagem para situar os presentes com relação à trajetória do convidado, para depois partir para as perguntas específicas.
Como muitos artistas, Serroni começou a se interessar pelo teatro estimulado por uma professora na sua cidade, São José do Rio Preto, a qual percebeu o seu talento para desenhos. Ainda nesse período escolar, começou a desenhar quadros e vendê-los para o Festival de Teatro que acontece até hoje na cidade (no passado de caráter amador e atualmente com profissionais do palco).
Um diretor conhecido do nosso teatro, José Eduardo Vendramini, encomendou telões para uma peça e Serroni começou a ajudá-lo nos adereços. Foi seu primeiro contato com a criação teatral e a percepção do dom para as artes.
Serroni credita que o interesse pela área artística começou através do circo-teatro, que teve a oportunidade de acompanhar porque a lona do circo estava instalada num terreno em frente à sua casa.
Como desconhecia cursos de cenografia, foi estudar matemática, o que o ajudou a ter facilidade para cálculos e planilhas, mas a paixão pela arte falou mais alto. Continuou criando cenário para o Festival de Teatro de São José do Rio Preto e entrou para a FAU – Faculdade de Arquitetura na USP.
A sorte fez com que Flávio Império, um grande nome da cenografia de todos os tempos, fosse o seu professor, e Serroni começou a trabalhar com ele. Depois, com a sua saída da instituição, como assistente de cenografia.
Antes mesmo de se formar, foi cenógrafo e figurinista da TV Cultura, cuidando, por exemplo, do cenário dos teleteatros. Chegou a trabalhar depois em emissoras como Globo e MTV, mas a sua passagem pela TV Cultura foi fundamental na sua carreira.
Foi por causa dos teleteatros que conheceu o diretor Antunes Filho (que o chamou para integrar a equipe do CPT no Sesc Anchieta) e Antônio Abujamra (entre os destaques merece atenção o cenário que concebeu para Morte Acidental de Um Anarquista, espetáculo com Antônio Fagundes).
Entre tantos detalhes da sua experiência profissional, teve várias passagens pela Quadrienal de Praga (PQ), maior evento dedicado à arte da cenografia no mundo, realizado a cada quatro anos na cidade desde 1967. A sua primeira viagem para o evento ocorreu em 1987, o que lhe causou desânimo, por constatar como no Brasil a cenografia ainda engatinhava e ainda era muito difícil sobreviver.
A partir desse momento, nasceu a vontade de contribuir para que a cenografia ganhasse status.
Gil Vicente Tavares o questionou sobre a área da educação e Serroni disse que atualmente coordena a área de cenografia da SP, com um núcleo de estudo e trabalho, e até chegar a este momento a caminhada foi longa.
A abordagem sobre educação se mistura com a trajetória profissional de Serroni porque o seu objetivo sempre foi contribuir para a formação de profissionais, visto que cursos na área sempre foram escassos.
Após a sua viagem a Praga, o seu desejo de criar um espaço para estudos de cenografia se transformou em realidade.
Foi convidado pelo Antunes Filho para trabalhar no CPT e montou lá no Sesc um laboratório de pesquisa de cenografia, com um núcleo que teve a participação de cerca de 15 alunos.
Para escolher com quais aprendizes gostaria de trabalhar, Serroni disse que sempre procurou contemplar a todos e o que mais espera de um aprendiz é a curiosidade, e que ele precisa entender que no início um cenógrafo não tem um bom salário.
Um cenógrafo precisa carregar objetos, segurar o cenário, varrer um palco, enfim, realizar atividades diversas com disponibilidade e humildade.
Começou a chamar profissionais para ministrarem palestras sobre arte e filosofia, pois sempre entendeu que para dominar a prática é preciso conhecer a teoria sobre o fazer artístico e o pensamento humano.
Foram 12 anos de atuação no CPT, até o início do Projeto Prêt-à-Porter que, apesar do seu valor artístico, já não dava a Serroni a oportunidade de colocar em prática os seus anseios e a sua criatividade enquanto cenógrafo.
Depois voltou a realizar alguns trabalhos específicos, mas não mais como integrante do CPT; não podia mais ceder ao Centro de Pesquisa a dedicação que Antunes solicitava.
Ao sair do CPT, criou o Espaço Cenográfico que funcionou durante 20 anos, um espaço onde ele criava os seus projetos e ministrava cursos com intuito de convidar os alunos do seu Espaço para ajudá-lo nas suas criações de cenografia para espetáculos e eventos.
Voltada à área de educação, há 11 anos foi criada a SP escola de teatro e Serroni participou do processo de elaboração da pedagogia de ensino. Usou a sua experiência no Brasil e o aprendizado em Praga e convidou profissionais da área para, através de discussões, criar um programa sobre o fazer cenográfico.
Na ¨SP¨, Serroni coordena cursos de cenografia e figurino, coordena também experimentos semestrais e cuida da técnica de palco.
Também na área de transmissão de conhecimento, já que a bibliografia para consultas é escassa, tem um livro sobre a arquitetura dos teatros no Brasil, uma obra sobre cenografia brasileira contando a experiência de profissionais consagrados. Serroni também elaborou um livro sobre figurinos para o Sesi, além de promover e participar de encontros e oficinas pelo Brasil.
¨Trabalho para dignificar o trabalho do cenógrafo, que tem crescido apesar de alguns problemas relacionados à mecânica cênica¨. JC Serroni.
No mesmo caminho de Gil Vicente Tavares, a mediadora Daniela Albuquerque questionou Serroni sobre como é estar no lugar de mestre.
Respondeu que gosta de criar, mas nunca desejou deixar de lado a formação, pois quer contribuir para o avanço da cenografia no Brasil, passando o seu conhecimento para outras pessoas e sempre defendendo que o bom profissional tem que conhecer todos os aspectos de criação de um espetáculo.
Felizmente, a procura para a especialização nesta área tem crescido, segundo Serroni. Entre profissionais em cuja formação colaborou, citou Charles Moeller, hoje diretor renomado de musicais. Telumi Helen, Marcio Vinícius (que foi parceiro na elaboração da cenografia em vários espetáculos dirigidos por Gabriel Villela), Aby Cohen e Paula de Paoli.
Na sua constatação, ainda é preciso avançar muito porque não existem sindicatos, tabelas e outras maneiras do cenógrafo garantir os seus direitos, mas um bom caminho já foi vencido.
Gil Vicente Tavares pediu para Serroni abordar como era o processo de trabalho no CPT, se havia a preocupação da criação de uma estética.
Durante sua permanência no CPT, propôs avanços à caixa cênica preta com a qual Antunes sempre trabalhou, ao mesmo tempo que compreendeu que um espaço vazio pode conter inúmeros significados e simbologias.
O seu primeiro trabalho no CPT foi em Xica da Silva, mas o espetáculo não fez sucesso. Foi em Paraíso Zona Norte que começou a ter no Centro de Pesquisa uma visibilidade para o público e crítica, com a criação de uma espécie de estação abandonada como cenário.
Estabeleceu uma parceria com Antunes que se caracterizava pela integração no que se refere a ideias para a cenografia. Antunes jogava as pistas e a criação de Serroni era feita a partir de uma dedicação total ao processo de ensaios.
Era uma exigência de Antunes, e uma necessidade de Serroni, estarem presentes a todos os ensaios. Um trabalho integrado não somente entre Antunes e Serroni, mas com toda a equipe técnica.
Foi no CPT que Serroni compreendeu que o ator é o centro da cena (o cenário não pode se sobrepor à presença do elenco) e que a cenografia precisar estar integrada a todos os elementos do espetáculo, como figurino, luz e concepção estética do diretor.
A experiência de Serroni com Gabriel Villela não podia ficar de fora. Foram espetáculos de sucesso como o arrebatador Estado de Sítio, a trilogia de peças do Chico Buarque, Ópera do Malandro, Gota d´ Água e Os Saltimbancos, A Ponte e a Água de piscina, Leonce e Lena.
Todos os trabalhos pautados por uma cenografia não realista, apresentada através de signos e com o objetivo de fazer fluir a imaginação do espectador.
Uma proposta da criação de Villela e que vai ao encontro da paixão de Serroni, que nunca se interessou por uma estética realista e só aceitou trabalhos que lhe proporcionasse prazer enquanto artista.
Ouve muito o diretor por entender que o resultado depende de uma soma de linguagens e o cenógrafo nunca pode assinar uma obra que não esteja integrada à estética do diretor.
Como Gabriel também é um excelente cenógrafo, segundo Serroni, o diálogo é sempre muito produtivo e o cenário é criado a partir da troca de ideias.
Contou que sempre apresenta uma maquete ao diretor com as suas principais ideias para o palco, para uma posterior conversa e mudanças, se necessário. Cada projeto tem a sua especificidade e é preciso planejar a melhor maneira para realizar cada um deles.
Em Estado de Sítio, concebeu o assoalho com tábuas ruídas e com elementos cenográficos que entram e saem de cenas. Bancos e madeiras, além de vários galhos, são oriundos de Minas Gerais, do sítio de Villela, e Serroni os transformou em objetos marcantes.
Quem conferiu o espetáculo com certeza ficou encantado também com o teto, uma espécie de nuvem de trevas que aos poucos ia sufocando o elenco. Além de uma enorme estrela para evidenciar a história de Cádiz, na Espanha, local invadido pela Peste e pela morte. O medo foi implantado e só o amor conteve ações autoritárias e violentas.
Daniela questionou sobre as verbas e os trabalhos de produção nos projetos que Serroni participou.
O cenógrafo expôs que no CPT, apesar da parceira do Sesc, Antunes controlava bastante os gastos.
Com Villela, trabalhar com o produtor Claudio Fontana ¨é uma beleza¨ (nas suas palavras) porque é oferecido um cachê e já existe uma verba pré-determinada para a cenografia.
Além disso, tudo é criado de uma maneira artesanal, que também é o modo como ele concebe uma cenografia. Para ele, tudo tem que ser construído com as mãos.
Para ilustrar mais as suas falas, citou sacos de lona velhos que foram adquiridos na feira de Antiguidades do Bixiga. Um fato curioso porque eles fizeram uma troca com o vendedor, que fornecia os sacos surrados e eles davam em troca sacos novinhos.
E nos seus trabalhos, para que não existam surpresas desagradáveis com relação ao orçamento ou destruição de cenários, sempre coloca um produtor na sua equipe. Assim consegue a compra dos materiais necessários, bem como a devida guarda da cenografia e um cuidado precioso com tudo nos transportes para viagens.
Respondendo a mais um questionamento de Gil Vicente Tavares, que indagou se Serroni já teve vontade de dirigir espetáculos e se tem alguma cenografia que gostaria de ter feito e cujo desejo não conseguiu realizar, Serroni afirmou que não tem vontade porque acredita que não saberia dirigir o ator.
Com relação à cenografia, queria ter elaborado a da montagem Macunaíma, de Antunes Filho. Chegou a ser sondado para participar da equipe de criação e não aceitou. Ficou tão deslumbrado com a montagem que até hoje se culpa por não ter aceito o convite.
Importante citar que a tecnologia é bem-vinda para Serroni, mas ele afirma que sempre tem que ser usada com parcimônia.
Já fez cenários engenhosos, mas busca a simplicidade para que o olhar não seja desviado para os aparatos técnicos.
¨No teatro é muito importante ouvir uma respiração, enxergar o olho ouvir um suspiro¨ JC SERRONI
Sobre os tempos em que vivemos, disse que ainda não teve nenhuma experiência virtual. Se for necessária a realização de trabalhos em vídeos, eles serão bem-vindos, mas na sua visão nada substitui a magia do teatro, que tem como premissa ser ao vivo e presencial.
E fiquem ligados,
Abertas as inscrições para a aula/entrevista de Beatriz Lessa
A cadeia produtiva do espetáculo teatral contada e cantada por quem o faz.
- Seminário Virtual -
INSCRIÇÕES EXCLUSIVAS PARA ENTREVISTA BIA LESSA.
Dia 06 de outubro de 2020, de 16h30 às 19h.
https://forms.gle/6cvaE8UFV8SQ2bwM8
Vagas limitadas, sem direito a certificado!
Período de inscrições: de 30 de setembro a 3 de outubro.
Os inscritos receberão um link por e-mail para acessar a sala virtual até 24h antes do início! Lembrando que NÃO será permitida a entrada na sala após às 16h50h!
Coordenadores: Prof.ª Drª. Deolinda Vilhena / Prof. Dr. Gil Vicente Tavares / Prof. Dr. Sérgio Sobreira
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