O diretor Ivan Andrade que dirigiu O mal-entendido, de Albert Camus (2018); Amigos Ausentes, de Alan Ayckbourn (2008) e Entreatos, de Gero Camilo (2005), e trabalhou como Diretor Assistente em vários espetáculos assinados por Gabriel Villela (entre outras realizações com Zé Celso, Cibele Forjaz, Gerald Thomas e artistas estrangeiros), dirige a atriz Maristela Chelala no excelente monólogo Dos Prazeres.
A peça leva para o palco o universo do escritor Gabriel García Márquez, com história baseada na vida da própria atriz e no conto Maria dos Prazeres do livro Doze Contos Peregrinos (1992).
Dos Prazeres fala de amor, prazer, sonhos e desilusões, e aborda a opressão vivida por Maria dos Prazeres, uma imigrante brasileira que viveu em Barcelona e prepara o seu próprio funeral. Solitária, ela conta somente com a companhia de seu cãozinho Nói.
Ela revive o seu passado através de momentos delicados e de forte dramaticidade, já que ela sofreu com o cenário da Espanha franquista.
Além de viver Maria dos Prazeres, a atriz é a narradora do conto e traz para o público alguns dados de sua vida que são comuns ao da personagem ( como o medo da água e ser migrante) Maristela vive também um agente funerário, um amigo aristocrático e o chofer de uma limusine que oferece uma carona e muda o rumo da vida de Prazeres.
Na entrevista para o De Olho Na Cena, Ivan fala sobre a sua formação e trajetória, a sua experiência como diretor e diretor assistente (Gabriel Villela foi com quem mais trabalhou), a experiência de levar para o palco obras de Albert Camus, num projeto pessoal e como assistente de Villela (O Mal-Entendido e Estado de Sítio, respectivamente) e, claro, sobre Dos Prazeres
No momento, Ivan está em Campinas com o diretor Gabriel Villela preparando um novo espetáculo, parceria com o grupo Os Geraldos. Oportunamente publicarei informações detalhadas no De olho Na Cena.
ENTREVISTA IVAN ANDRADE
Nanda Rovere – De Olho Na Cena - Gostaria que falasse um pouco sobre a sua trajetória profissional.
Ivan Andrade - Eu comecei fazendo teatro amador aos treze anos e depois estudei Direção na ECA/USP e lá tive aulas com grandes professores de teoria e prática; tive aula com o Antonio Araujo, por exemplo. Saindo da USP, ao contrário de montar um grupo de teatro, comecei a trabalhar como assistente de direção. Trabalhei no Teatro Oficina como assistente do Zé Celso, depois fiz uma sequencia de assistências, sempre com grandes diretores: Ivaldo Bertazzo, Gerald Thomas e depois participei de muitas produções internacionais ( com Ziya Azaia, Bob Wilson, grupos alemães, grupos japoneses). A maioria das produções foram realizadas no Brasil e pelo SESC, mas viajei também ao exterior algumas vezes. Eu queria ter experiência com diferentes estéticas e propostas até dirigir os meus próprios espetáculos, mas logo em seguida o Gabriel (Villela) me chamou para ser assistente dele (em Vestido de Noiva) e já são dez anos de parceria.
NR - O que você carrega de aprendizado com todas essas parcerias?
IA - De todas essas parcerias ficaram experiências positivas e também negativas. Com muitos diretores eu aprendi como eu não quero trabalhar e trago influências de todos eles. Com relação ao Gabriel, que é o único diretor com quem eu venho trabalhando há muitos anos, ficaram muitas coisas, desde a parte estética, a convivência no trabalho até a relação com a produção. Com relação à estética, as influências podem não ser muito perceptíveis para o espectador, porque Gabriel é conhecido pelo barroco e pelo épico, convenções estéticas que não são as minhas, mas não elas deixam de estar presentes no meu modo de dirigir .
NR - É nítido que existe um olhar do diretor para todos os elementos da cena (característica marcante nos trabalhos do Gabriel Villela e que você carrega nos projetos pessoais), com a formação, claro, de uma excelente equipe técnica/de criação.
IA - A equipe surgiu a partir do encontro de pessoas com as quais já tínhamos trabalhado e temos afinidade. Esse olhar é uma influência do Gabriel e também de vários outros diretores dos quais fui assistente. Eu sou um diretor que atua em todas as frentes, cuidando desde a crase do programa, até a operação de luz. Eu fico em cima de tudo e sempre venho em todas as sessões. A minha formação foi assim (assistindo a todos os espetáculos, dialogando com toda a equipe).
NR - E você é um diretor que muda alguma coisa no espetáculo mesmo após a estreia, já que gosta de assistir a todas as sessões?
IA – Eu mexo, ajusto alguns detalhes, mas sempre respeitando a concepção original para não desrespeitar o acordo que já estabeleci com a minha equipe.
NR - E como é voltar a dirigir a Maristela?
IA - Dirigi a Maristela em 2008 num espetáculo que fiz no Cultura Inglesa, depois trabalhamos juntos no em Galileu Galilei com direção da Cibele Forjaz, e desde então queríamos fazer alguma coisa juntos. No ano passado decidimos trazer para o palco o conto do Gabriel Garcia Marquez e está sendo um prazer muito grande. Ela é uma excelente atriz, uma pessoa interessante, uma amiga que tem um olhar peculiar sobre o teatro e sobre o fazer teatral. Um encontro muito feliz fora de uma produção maior; um encontro generoso das duas partes.
NR - Como foi colocar em cena a mistura entre a vida pessoal da atriz e o universo de Gabriel Garcia Marquez?
IA - Quando eu e a Maristela começamos a conversar, eu disse a ela que não gostaria de dirigir nem monólogo nem depoimento pessoal. Toparia fazer esse espetáculo somente se ele valorizasse a obra do Gabriel Garcia Marquez, não a sua história de vida. Aos poucos fomos costurando o texto e a idéia era preservar a teatralidade, mostrando que nem tudo é realidade no depoimento, que existe uma personagem e assim recriamos a história da Maristela. Uma auto-ficção submetida à narrativa do Gabriel Garcia Marquez.
NR - Quando você pensa nesse espetáculo, o que primeiro bem em mente?
IA – O que eu primeiro penso é na possibilidade da continuidade desse espetáculo após a temporada no SESC Vila Mariana. Hoje em dia está muito difícil produzir teatro e ao dirigir um monólogo em que a própria atriz tem tanto prazer em fazê-lo, não tem como não pensar numa longa duração.
NR - E como foi experiência de dirigir um monólogo, já que desde o início você estabeleceu algumas ressalvas para aceitar o desafio?
IA – Uma das minhas satisfações é ouvir as pessoas dizendo que não parece um monólogo porque ela parece que não está sozinha em cena. Estou feliz por ter encontrado um equilíbrio tênue entre o elemento pessoal, a ficção e a obra de Gabriel Marquez.
NR - E como é o seu processo de criação. Você já tem a concepção pronta na sua cabeça ou você constrói com os atores?
IA – Eu faço um pouco dos dois. Eu já chego com uma concepção e fico em cima até os atores entenderem o caminho de criação que eu estabeleci (entenderem qual é a linguagem), depois os deixo mais à vontade e dialogo com eles.
NR - E a parceria com o SESC, qual a importância nesses dias tão complicados?
IA – O SESC é uma instituição muito aberta para espetáculos não comerciais porque tem compromisso com a profundidade cultural . Sabemos que a cultura está num momento dificílimo e mais do que nunca o SESC se apresenta como um oásis num momento em que a cultura está sob ameaça (ao tratarem a cultura com truculência, estão destruindo o próprio país). A incompreensão existente com relação ao trabalho realizado pelo SESC é lamentável porque existe uma formação do cidadão que é impressionante. O SESC é uma esperança de civilidade, e neste sentido é um orgulho estar em cartaz nessa Instituição. Mesmo um teatro pequeno tem público. As pessoas têm fome de cultura.
NR - Você dirigiu um texto do Camus, o Mal-entendido, e foi assistente do Gabriel em Estado de Sítio, também uma obra desse autor. Como foi essa experiência?
IA – Foi uma grande coincidência. Eu já tinha apresentado o projeto ao SESC e quando ele foi aprovado, Gabriel veio falar comigo e disse que gostaria de montar Camus. O autor tem todo um trabalho filosófico e critico que é urgente para hoje. Nas suas obras existe a idéia do homem que se revolta contra a existência e a política social, mas tem limites éticos nas suas ações. Outra questão de Camus é o sísifo ( o mito do homem que carrega uma pedra morro acima para vê-la rolar e começar tudo de novo.). Como ele termina no livro: ¨É preciso imaginar o Sísifo feliz¨, ou seja, é nosso trabalho existencial começar tudo de novo. O que ele está falando é que a esperança morreu; e a maior beleza do Camus é dizer que temos que trabalhar e trabalhar por um mundo melhor porque é pra isso que existimos, mas o mundo nunca será definitivamente melhor porque sempre terá o que melhorar. E é o papel da cultura é o mesmo ( trabalhar por um mundo melhor). Estado de Sítio abordava de um modo positivo a existência e O Mal-Entendido expõe o lado negativo da humanidade. Em O Mal-Entendido, a revolta da mulher contra a sua condição gera a destruição; no Estado de Sítio existe esperança (depois de vencer a Grande Peste, a sociedade renasce através do amor). Esses contrapontos nos nossos trabalhos eram muito bons, mas as peças tinham uma discussão em comum: falavam sobre o amor, que é o responsável pela continuidade da nossa vida. E não é à toa que Dos Prazeres fala do mesmo assunto: Uma pessoa que está em vias de morrer e tem um encontro amoroso que muda o rumo da sua vida, é um encontro com o prazer, é estar vivo a despeito da morte social. ...É o que estamos passando hoje: precisamos continuar vivos ¨sísificamente¨, isto é carregando a pedra. A sociedade está a cada dia mais estúpida, mas é preciso continuar. Se no Mal-Entendido a minha maior motivação era o amor, agora a minha maior motivação é o prazer, a libido de viver (de seguir adiante).
Serviço:
Dos Prazeres
"Quero um lugar onde as águas não cheguem nunca."
Sinopse
María dos Prazeres é uma brasileira nascida em Manaus que vive há décadas em Barcelona. Aos 76 anos, esta personagem do conto homônimo de Gabriel García Márquez tem um sonho que interpreta como o anúncio de sua morte e dá início aos preparativos de seu próprio funeral. Ambientada na Espanha franquista, a narrativa é conduzida pela atriz Maristela Chelala num jogo de espelhos em que sua biografia se entrelaça à ficção.
Sesc Vila Mariana. Auditório (128 lugares)
Rua Pelotas, 141, Vila Mariana, São Paulo/SP
De 17 de janeiro a 21 de fevereiro de 2020
Sextas-feiras às 20h e sábados às 18h
(Sessão extra no dia 20/2, quinta-feira, 20h)
Duração: 55 minutos
Classificação: 14 anos
Ingressos: R$ 30 (inteira), R$ 15 (meia) e R$ 9 (credencial plena)
Bilheteria: à venda em todas as unidades do Sesc e pelo portal http://sescsp.org.br/programacao/215153_DOS+PRAZERES
Tel: (11) 5080-3000
http://facebook.com/espetaculodosprazeres
http://instagram.com/dosprazeresespetaculo
Ficha técnica:
Dramaturgismo: Ivan Marsiglia
Direção: Ivan Andrade
Atriz: Maristela Chelala
Produção: Anayan Moretto
Cenografia: Julio Dojcsar
Iluminação: Wagner Pinto
Figurino: Marcela Donato
Trilha Sonora: Carlos Vieira
Fotos: Lígia Jardim
Sobre Ivan Andrade
Diretor de teatro, pesquisador de teoria e encenação teatral com mestrado na USP, O mal-entendido, de Albert Camus (2018); Amigos Ausentes, de Alan Ayckbourn (2008) e Entreatos, de Gero Camilo (2005). Escreveu e dirigiu INCUBADORA versão final (2013) e EVERGREEN-tarja preta (2008). Como Diretor Assistente, trabalhou com Gabriel Villela, Zé Celso (Os Sertões; Festival Uzyna Uzona), Gerald Thomas (Kepler, o cão atormentado), Ivaldo Bertazzo (NOÉ NOÉ), Cibele Forjaz (Galileu Galilei; O idiota) e outros. Trabalhou também com o americano Richard Maxwell (X Moradias), com o alemão Florian Loycke (Jardim das Delícias) e com a companhia francesa HVDZ (Les veiellés). Como Coordenador Técnico, foi responsável por grandes produções internacionais, trabalhando ao lado de Bob Wilson (Garrincha; Ópera dos três vinténs; LULU; A última gravação de Krapp), da companhia alemã andycompany& (Fatzer), do alemão Frank Castorff (Anjo Negro) e do artista performático Ziya Azaia (Devirsch). Formado na Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP) em Direção Teatral, fez um mestrado sob orientação de Antonio Araújo..
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