A atriz Denise Del Vecchio é uma atriz que quando vamos prestigiá-la já sabemos que ela será intensa no palco. Cada gesto, cada olhar, cada intenção tem uma bela entrega, numa técnica perfeita, aliada a uma emoção no tom exato. Cada fala tem um sentido preciso, tudo milimetricamente guiado por Darson Ribeiro, diretor.
Denise leva para a cena o luto de uma mulher, no caso, a escritora Lya Luft.
Após a perda do marido, parceiro e grande amor, o psicanalista Hélio Peregrino, Lya ficou sem chão. Ela fez questão de vivenciar o luto e, claro, continuou a sua vida com um buraco no peito.
Denise transmite todas essas emoções, além dos momentos onde, pelo menos aparentemente, a dor dá lugar a um pouco de frescor.
Com esse trabalho, Denise comemora 52 anos de carreira.
A montagem é o texto inédito "O Lado Fatal", de Lya Luft, em cartaz no Sesc Belenzinho.
Além da direção, Darson Ribeiro assina o texto teatral, uma tarefa que exigiu muita dedicação para transformar a linguagem literária para o teatro.
Como Ribeiro também cuidou do cenário e da trilha, a sua imersão no universo de Lya Luft foi intenso e a poesia cênica está presente. Apesar do tema ser pesado - afinal Lya só viveu com o seu marido dois anos e três meses - a boa energia de um amor inesquecível domina a encenação. O relacionamento foi marcante demais, com momentos de extrema cumplicidade e, como em todos os casamentos, as brigas aconteciam, mas Hélio sempre buscava um final feliz, espalhando bilhetes amorosos pela casa onde residiam em Porto Alegre.
Ribeiro ficou encantado com a coragem da escritora em falar sobre um momento tão triste da sua vida particular e resolveu transformá-lo num espetáculo solo. Vinte e cinco anos se passaram entre o lançamento do livro e essa peça (que é inédita).
Apesar de ter sido lançado com sucesso, a publicação de O Lado Fatal foi interrompida a pedido da própria autora.
Há poucos anos, Lya permitiu novamente a sua publicação e levar essa obra ao teatro foi a realização de um sonho para Darson e representou um presente para o público.
Na encenação, nos sentimos num lugar em que o real - no caso, a dor da perda - e o onírico - as doces lembranças se misturam.
Denise/Lya dialogam com a voz da memória de seu marido, como se ela estivesse num programa de entrevistas, ou numa sessão de psicanálise. Ela revê a sua curta vida ao lado do psicanalista e imagens projetadas no palco e a luz de Ney Bonfante ajudam a criar o clima de recordações, desespero e calmaria.
Túneis de luz aparecem, como se fosse o caminho que separa o infinito da Terra e Lya do seu amor; as flores vermelhas no palco simbolizam o amor e a dor de quem as coloca no túmulo para iluminar o ser amado e os espinhos da vida.
O cenário traz um divã, a réplica da cadeira usada por Hélio Peregrino, o que coloca o público num consultório de psicanálise. Em alguns momentos, projeções que sugerem um campo servem para destacar o quanto a dor corrói, mas também revelam o quanto as lembranças resgatam momentos de conexão com algo divino, que é o amor.
Prelude, do trio trip hop britânico London Grammar, e Because the Night, rock de Patti Smith, reforçam as pulsões de emoções da personagem. |